Fantásticas Criaturas: a genialidade de Lanthimos na criação de Emma Stone

É bem provável que na dança dos Oscares Openheimer leve a estatueta de melhor filme para casa. Além de ser um bom filme, sua produção e efetividade dentro da indústria do cinema fazem dele um bom candidato. Nolan provou que não é necessário apelar para a indústria cultural naquilo que ela tem de mais óbvio, caso de Barbie, para levar o público de volta aos cinemas. Mas eu adoraria ver o talento de Yorgos Lanthimos ser reconhecido pelo que ele tem de mais cativante – a capacidade de transformar histórias que já conhecemos, ou até banais, em espetáculos visuais sensíveis e provocantes. O filme Pobres Criaturas é uma síntese de todas as experimentações anteriores do cineasta, quase um ensaio. A questão não é a sinopse nem o argumento, mas sim a forma que ele escolhe para contar sua história. E nem sempre são as lentes olho de peixe, que ancoram o trabalho de fotografia de Robbie Ryan, as responsáveis pela façanha. Há diálogos inesquecíveis, perspicazes, capazes de transformar situações corriqueiras em eventos filosóficos sobre o estar no mundo, como ele já fez anteriormente em O Lagosta (The Lobster, 2015), primeiro filme em língua inglesa do cineasta grego.

Em Pobres Criaturas, os coitados não são os personagens anômalos, como o título pode sugerir, mas sim a humanidade que se julga civilizada e se contenta com tão pouco. A tragicomédia de Ficção Científica steampunk que tem como protagonista Bella Baxter (Emma Stone, deslumbrante), um Frankenstein de saias, criada por um cientista excêntrico, Godwin Baxter (Willem Dafoe) que descobrimos ser ele próprio resultado de experimentos, é  para questionar o papel da mulher moderna, do casamento, da maternidade, da família, e, naturalmente, da sexualidade.

Bella não tem nenhum pudor nem problema com sua forma, e se entrega ao prazer como uma criança descobrindo o mundo.  Seu God, como ela chama o doutor, adora tudo o que ela faz, não lhe impõe limite nenhum, maravilhado com sua (re) criação a partir do corpo de uma mulher suicida e de um bebê. Ela decide conhecer o mundo nos braços de um amante, o advogado espertalhão Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo)n e sai de casa com as bençãos de God, e até algum dinheiro. Portugal é o destino escolhido pela dupla de amantes. Ao som de uma canção de Carminho, cantora portuguesa, o romance vai desmoronando enquanto Bella cresce como mulher independente.

Seu amante e companheiro  Duncan, chocado ao saber que Bella se prostituiu, uma de suas experiências, não se contém: esta é a última coisa que uma mulher poderia fazer, diz ele. Como vingança, ele tenta devolvê-la a seu marido e ao seu passado em outro corpo. Inutilmente, pois Bella em tempo recorde já se apoderou de conhecimentos e autonomia suficiente para seguir em frente. Bella cria para si própria um paraíso particular, em que God é ela própria. O crescimento intelectual de Bella é observado com estímulo e indulgência por uma figura ilustre – a alemã Hanna Schygulla, favorita de Fassbinder, em discreta aparição no cinema como Martha Von Kurtzroc, compartilhando seus ideais cínicos a bordo de um navio com Bella.  

Em alguns momentos, a atmosfera onírica do filme, quase teatral, lembra obras do mago alemão, um artífice na coreografia dos corpos, mas a ideia do sexo como subversão à norma remete também ao iconoclasta espanhol Buñuel. O olhar de Lanthimos captura esse ambiente fantástico que nos faz transitar entre o passado recente, e a realidade, sugerindo um presente atemporal. O filme foi realizado em estúdios, entre Glasgow e Budapeste, mas poderia ter sido em qualquer parte do mundo dito ocidental. A história original foi livremente adaptada do romance homônimo do autor escocês Alasdair Gray. A produção de design assinada por Shona Heath e James Rice é impecável, e contribui para a materialização desse cenário espetacular que mescla elementos da era vitoriana ao modernismo. A Lisboa do filme é quase um sonho de Gaudi, o navio é claustrofóbico e navega sobre um oceano semelhante a um wallpaper. Paris é outro set, assim como Londres e Alexandria. Uma obra ousada e divertida.

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