O filme brasileiro Propriedade, de Daniel Bandeira, finalmente está disponível na Netflix. Lançado nos cinemas no final de 2023, é o segundo longa-metragem do diretor pernambucano após o famoso Amigos de Risco (2007), protagonizado por Irandhir Santos. O thriller utiliza novamente elementos de suspense, mas investe na questão dos conflitos sociais em um contexto totalmente precarizado de vida agregando à narrativa elementos de terror que remetem à O Nó do Diabo (2017) do qual Bandeira foi montador. Em Propriedade, a história se desloca do contexto urbano para o campo, e gira em torno de um casal da classe média alta, a estilista Tereza (Malu Galli) e seu marido Roberto (Tavinho Teixeira). Ele está mostrando para a esposa, que acaba de passar por uma tentativa de sequestro, o novo carro da família, blindado. O casal está a caminho da sua propriedade, uma fazenda, que eles acabam de vender. Entretanto, sem que eles saibam, os empregados estão se reunindo para discutir seu futuro, pois serão despejados da terra onde viveram a maior parte de suas vidas.
A chegada do casal deflagra uma tragédia sem precedentes. O ambicionado carro de Roberto se torna símbolo de poder e de enclausuramento, com Tereza submetida à revolta sem tréguas dos empregados, que sob a liderança de Dona Antônia, interpretada por Zuleika Ferreira, a Maria Bonita de Baile Perfumado, decidem reverter a situação e tomar o poder, custe o que custar, sem se importar com as consequências. Trata-se de um levante muito distante dos clamores revolucionários do Cinema Novo, é a reação de quem não tem mais sonhos e nem utopia, que não vê outra perspectiva de ocupar um espaço na sociedade e, portanto, nada tem a perder.
Dona Antônia é a personagem que retrata a passagem da empregada submissa que sempre soube o seu lugar, e era tratada como se fosse da família, para o de uma assassina impiedosa e fria. Quase nas cenas finais, Tereza percebe por meio dela que não haverá redenção e nenhum tipo de clemência para ela. A dificuldade extrema de sentir a dor e o ódio do outro precipitam o caos e o horror. A performance de Galli é excepcional, e descreve o desespero e a consciência, tardia, de sua alineada personagem, uma mulher acostumada a ter todos os seus problemas resolvidos pelo marido.
No Brasil, Propriedade conquistou prêmio de melhor montagem no último Festival do Rio (com a montagem de Matheus Farias sendo premiada), do Rio Fantastik Festival 2023 (eleito, entre demais prêmios e menções, Melhor Longa-Metragem e Melhor Diretor de Longa-Metragem pelo Júri Oficial), e internacionalmente, conquistou prêmio de melhor filme no Brooklyn Horror Fest e Fantastic Fest.