Morte de um Unicórnio: o retorno às utopias em filme de horror e fantasia

O mais recente longa da produtora A24, A Morte de um Unicórnio, assinala um retorno às origens, após a ressaca do Oscar, em que todas as fichas foram investidas em O Brutalista. O filme, dirigido por Alex Scharfman e estrelado por Jenna Ortega e Paul Rudd, combina elementos de horror slasher, drama familiar e comédia em um roteiro de humor corrosivo. Ortega e Rudd interpretam respectivamente a filha adolescente, Ridley, e Elliot, um pai workaholic ausente, em uma fábula contemporânea desconcertante sobre os rumos de nossa sociedade. A verdade é que somos induzidos a torcer pela selvageria e pela destruição desse mundo corrompido e tragado pela ganância, literalmente, pedaço por pedaço.

A história começa com um fim de semana atípico entre pai e filha. Elliot, um consultor, decide levar a filha problema Ridley, para acompanhá-lo em uma visita profissional a um cliente que fica numa reserva ambiental idealizada para ser um santuário para espécies em extinção. A caminho deste local idílico, o pai atropela um animal que, a princípio, ele supõe ser um pônei. Só Ridley percebe que se trata de um unicórnio bebê. O sangue roxo do animalzinho, com o qual ela se identifica à primeira vista, é miraculoso, como reza a lenda em torno dos unicórnios, seres selvagens, livres e mágicos. Fascinada, Ridley sente uma conexão imediata com o animal. Elliot, no entanto, só está interessado em ocultar o acidente de seu cliente, e se afastar dali o mais rápido possível, e decide colocar o animal em seu porta-malas, até encontrar uma solução que não o incrimine.

Ao chegarem finalmente à residência de Odell Leopold (o britânico Richard E. Grant, do inesquecível Como fazer carreira em publicidade), Elliot acaba tendo de revelar o trágico incidente. Para sua surpresa, percebe que não vai ser punido. A família, composta pelo filho playboy chapado Shepard Leopold (o hilário Will Poulter), e pela mãe perua Belinda Leopold (Tea Leoni), está mais interessada em comercializar a descoberta, e tirar proveito de absolutamente tudo que se refira ao acontecido, do que em salvar a humanidade. Odell, por sua vez, está morrendo de metástase, e todo seu interesse está voltado para sua própria cura naquele momento. Para isso ele contratou uma equipe de cientistas que busca, incessantemente, algum tratamento milagroso. Quando ele vislumbra no episódio um possível benefício, sua postura com relação a Elliot muda completamente. Fica evidente que a preservação da natureza, e até mesmo da própria família, é a menor de suas preocupações.

Ridley é praticamente a única personagem que segue preocupada com os desdobramentos do triste episódio e com o futuro do animalzinho e sua dor. E é a partir daí que os seres míticos invadem a tela. Esqueçam os unicórnios de pelúcia que a indústria oferece a cada nova vitrine, como sinal da vitória da civilização sobre a selvageria. A vingança não tarda a chegar. Unicórnios furiosos irrompem pela propriedade buscando revanche, e destruindo tudo o que encontram. E o que eles, exatamente, encontram, além de morte e dissimulação? Nada. Nesta comédia sombria, não resta quase ninguém que mereça ser salvo. O santuário parece mais um bunker de mafiosos, e seus empregados, capangas soturnos e misteriosos, autênticos psicopatas, extremamente violentos.

A família Leopold, que habita a propriedade, rapidamente se dissolve e passa a disputar formas de sobreviver ao se sentir ameaçada. Cada um, a sua maneira, tenta desesperadamente manter seus privilégios, custe o que custar. Os empregados não são melhores que os patrões. Os cientistas que conduzem uma pesquisa no local são ainda mais deconcertantes. Cínicos, corruptos, sem nenhuma sombra de empatia com a humanidade e muito menos com os animais.

Diante dessa realidade indigesta, o que nos resta? E aí, quando tudo parece perdido, a utopia é posta em cena. O unicórnio, na cultura medieval, simbolizava a pureza, e era frequentemente associado à Virgem Maria. Trata-se de um ser mítico, selvagem, e associado à pré-história da humanidade. Essa imagem é poderosa, e garante o espetáculo. Difícil é decidir de qual lado ficar. Apesar de todas as evidências em contrário, a história aposta na possibilidade de um mundo melhor. Essa utopia, no entanto, só encontra viabilidade no universo do fantástico, e, mesmo assim, à custa de muito sangue derramado. Como dizia o filósofo marxista Fredric Jameson, é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. O filme Morte de um Unicórnio está com previsão de lançamento para 25 de junho de 2025 pela Disney.

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