Hiperbóreos: fantasia especulativa e política em obra de animação

Por Luiza Lusvarghi

A atriz e psicóloga Antonia Giesen decide criar e filmar um roteiro a partir de um relato de um dos seus pacientes. Em colaboração com a dupla de cineastas Cristóbal León e Joaquín Cociña, a atriz e autora de si constrói uma obra que mescla performances teatrais, ficção científica, animação e biografia ficcionalizada para abordar realidades paralelas e assombradas pelo fantasma demoníaco de um escritor chileno nazista, o controvertido Manuel Serrano, e por intelectuais como Jayme Guzmán, advogado que apoiou os economistas ultraconservadores conhecidos com Chicago Boys, e que defendia conceitos eugenistas. Estes personagens contribuem para revelar em desenhos e imagens todas as demais teorias supremacistas que sustentaram parte da ideologia que levou Pinochet ao poder. Giesen, uma chilena de ascendência alemã, necessita justificar-se em cena o tempo todo, e essa demanda faz com que ela se desdobre em heterônimos dela mesma e volte à Alemanha, à casa dos pais.

A mescla de temas e a linguagem experimental podem soar estranhas para quem não conhece os trabalhos anteriores da dupla de cineastas chilenos que trabalha com animação stopmotion desde 2007 e vive em Santiago do Chile. Um de seus trabalhos mais conhecidos e premiados, La Casa Lobo (2018), estreia em longa, aborda de modo extremamente criativo e nonsense, a vida trágica de uma garota que consegue escapar de uma colônia nazista no Sul do Chile. A história foi baseada em fatos reais, ocorridos na Colônia Dignidad , centro de torturas, abusos sexuais, que foi criado na década de 1960, sob o governo Pinochet. Outra obra de referência é Los Huesos (2021), mais recente, em que eles buscam exorcizar o Chile feudal a partir de uma fantasia gótica que remete à obra de Tim Burton, essa última em cartaz na plataforma MUBI.

Na mitologia grega, havia menção a um povo que vivia numa terra lendária chamada de Hiperbórea. O conceito de linguagem experimental se mescla aqui à ficção especulativa em seu mais elevado patamar, mas desta vez atores de carne e osso foram incorporados à filmagem, realizada em estúdio do Centro Cultural Matucana 100, em Santiago, que pode ser visitado pelo público. Na exibição atual, dentro do Festival do Rio, essa dimensão de espetáculo e de happening, tão familiares às origens do teatro grego, se perde. Ainda assim, é uma obra instigante de ser ver. O filme foi exibido na Quinzena de Realizadores do Festival de Cannes 2024 e na mostra Midnight Movies do Festival do Rio 2024.

Luiza Lusvarghi é jornalista, pesquisadora de cinema e audiovisual, professora e coordenadora editorial da Polytheama e do selo Phantastika

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