Especial Roni Filgueiras
A cineasta Elizabeth Sankey deu à luz, durante a pandemia de covid 19, na Inglaterra. O que poderia ser o início de uma experiência idealizada de maternagem, virou um pesadelo com ideação de autoextermínio e infanticídio e resultou no documentário Bruxas (Witches) exibido no Festival do Rio. A partir de uma vivência biográfica de distúrbio mental – agravado ou surgido na gestação -, Sankey discute desde o sofrimento psíquico até as idealizações sobre a maternidade, tendo como ponto convergente a questão de gênero. Sankey reúne em seu documentário testemunhos de outras mulheres, desde mães que dividiram com ela uma temporada em uma instituição de saúde mental pública, até amigas de formações diversas: uma atriz, uma psiquiatra perinatal, uma médica. O desejo de dar um sentido a sua experiência resultou numa obra esclarecedora e ao mesmo tempo urgente, costurada por relatos e imagens da representação das bruxas no cinema: de clássicos como A Paixão de Joana D’Arc, de Carl Theodor Dreyer, de 1928, até O bebê de Rosemary, de Roman Polanski, de 1968.
Nesse momento, lembramos de pensadores e pensadoras que se debruçaram sobre os corpos femininos e as diversas formas de saber e dispositivos que serviram para sua exploração, encarceramento, assujeitamento e extermínio, ao longo dos séculos: o casamento, a religião, a medicina, a maternidade, temas caros a Silvia Federici, Simone de Beauvoir, Michel Foucault e Elisabeth Badinter. Sankey deu a luz a um menino, que por sua vez, fecundou nela um outro filho: um filme, que alargou sua vida em vários sentidos, algo que vem ao encontro do que disse Federici em entrevista a Gabriela Moncau e Pedro Stropasolas para o Brasil de Fato, em 2023: “Se queremos mudar a condição das mulheres de forma significativa, temos que mudar a condição material de nossas vidas. Então, não precisamos apenas fazer escolhas diferentes. Temos de criar um mundo diferente”.
O filme foi exibido no Festival do Rio 2024 dentro da Mostra Midnight Movies. Quem não viu, pode assistir pelo streaming. A plataforma MUBI já anunciou a estreia do documentário em seu catálogo. A previsão é de chegada aos cinemas em janeiro de 2025.