Recebido com certa ansiedade, Babygirl, o aguardado suspense erótico da A24, chegou aos cinemas brasileiros e é o assunto do momento. Estrelado por Nicole Kidman e Harris Dickinson, o modelo bonitão e cafajeste de O Triângulo da Tristeza, é o segundo longa da diretora holandesa Halina Reijn (Morte, Morte, Morte, 2022) e coloca a questão do orgasmo e do desejo feminino no centro da trama sob uma perspectiva feminista. Além disso, Kidman ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza 2024 pela sua atuação – e não pode receber pessoalmente o prêmio em função da morte de sua mãe -, e tudo leva a crer que, além da nomeação para o Globo de Ouro na mesma categoria, em que perdeu para Fernanda Torres, vá ser nomeada ao Oscar.
Quem estiver interessado na thriller erótico anunciado pela divulgação, pode se decepcionar. Kidman interpreta a CEO de uma empresa de robótica, Romy, que tem dificuldades de sentir prazer com o marido, Jacob (Antonio Banderas), um diretor de teatro. Bem-sucedida na carreira, ela vive atormentada pelos desejos eróticos que são considerados perversos por ele, e, naturalmente, para a sociedade. O grande trunfo de Reijn é justamente a forma como ela coloca em cena essa insatisfação, que se manifesta de formas diferentes. Um dia, um jovem estagiário, Samuel (Dickinson), com a metade de sua idade, entra displicentemente pela porta e começa a flertar abertamente com ela, que já o havia observado de forma dissimulada. A habilidade da diretora de colocar essas questões sem recorrer a imagens clichês é interessante e enreda o espectador.
As cenas de sexo entre os dois são vividas por meio de situações eróticas com tempero sadomasoquista, que não se limitam ao quarto em que se encontram. Em uma das cenas eles estão num bar, com outras pessoas da empresa, e ele ordena ao garçom levar um copo de leite para ela. Romy se choca, mas acaba bebendo o leite – uma cena que se tornou quase icônica do filme. Samuel entende que aquela mulher poderosa gosta de ser comandada, e faz as fantasias dela se tornarem realidade, num jogo consensual, nunca totalmente violento, mas perigoso. Em nenhum momento essas relações são usadas como pretexto para closes desnecessários dos corpos, que em boa parte do tempo estão vestidos – um dos fetiches de Romy é ser acariciada sob a roupa, furtivamente.
O marido demora a entender o que está acontecendo, enquanto a vida de Romy começa a se desequilibrar totalmente. Samuel, curioso para ver onde sua chefe e mentora vive, acaba arrumando uma desculpa para ir até a casa dela, o que deixa Romy em pânico. Como se não bastasse tudo isso, Samuel começa a sair com uma das funcionárias mais próximas à chefe, a aspirante a executiva Esme (Sophie Wilde), que em dado momento, se dá conta do imbroglio romântico e tira proveito dele profissionalmente. Não vou lhe denunciar, diz, sou a favor das mulheres, mas vocês não podem mais continuar a se ver.
Romy fica desesperada com a perspectiva de ficar sem Samuel, embora nunca tenha considerado seriamente a possibilidade de separar-se de Jacob. As duas filhas adolescentes, Nora (Vaughan Reilly) e Isabel (Esther McGregor), começam a se dar conta de que algo está errado, mas é Isabel, de sexualidade mais assumida, quem dá os primeiros passos para dizer a mãe que está tudo bem, que pode acontecer.
É justamente nesta naturalização da busca pela realização sexual, ainda que tardia, pois Romy confessa ao marido que em 20 anos de casamento jamais teve um orgasmo com ele, que reside o maior atrativo do filme mas também o seu ponto mais vulnerável. Ao final, aparentemente, todos assumem seus desejos, e não existe criminalização de uma traição, e nem mesmo de abuso sexual. Quando Jacob diz a Samuel que ele foi usado, é rebatido com firmeza – essa é uma visão ultrapassada.
O que é difícil de entender é a aparente resignação do casal diante do episódio, que é tratado quase como uma fórmula de rejuvenescimento da relação, o que caberia em qualquer relação em que o homem fosse o adúltero. Trata-se mais de uma inversão de papeis, do que de uma subversão dos conceitos de felicidade matrimonial, que aparentemente seguem intactos, o que é verossímel, mas decepcionante. Samuel vai trabalhar na Kawasaki, empresa japonesa, indicado por ela, que segue a sua carreira sem nenhum tipo de escândalo ou represália por conta de sua aventura romântica. Para quem quiser ouvir, e até mesmo para o inoportuno colega de Romy que decide abordá-la de maneira grosseira, ela avisa: saia do meu escritório, eu posso pagar para alguém me humilhar quando eu quiser. O que não deixa de ser uma solução conservadora, com a mulher assumindo a postura patriarcal e machista.
A cena de Samuel dançando ao som de Father Figure, de George Michael, para a amante, fascinada, idealizada por Reign antes mesmo de terminar o roteiro, como ela já assumiu, é irresistível, assim como as cenas de dança da discoteca em que o casal dança voluptuosamente. Reign se afirma como uma excelente diretora de atores. A fotografia do filme também oferece momentos marcantes, sempre em movimento.