Baby ou ainda existe amor em SP

O filme Baby tem como ponto de partida uma situação difícil e infelizmente bastante comum para muitos jovens pobres que possuem uma orientação homossexual. Wellington (João Pedro Mariano) comete uma infração leve (furto) e vai para a Fundação Casa, instituição do Estado de São Paulo que acolhe adolescentes infratores entre 12 e 21 anos, e que no fundo opera como um sistema prisional, a exemplo da antiga Febem. Após 2 anos, ele é solto, e descobre que a família mudou-se para o interior sem deixar endereço. O pai, moralista e violento, proíbe a mãe de contato com o filho, por ele ser gay, e Wellington se vê vagando pelas ruas de São Paulo sem nenhum tostão no bolso e sem amparo. Uma antiga vizinha, com pena, assina sua liberação, pois como menor ele não pode sair sem um adulto responsável, e lhe dá algumas roupas. E isso é tudo que ele tem.

Dormindo ao relento pelo centro de São Paulo, ele tenta descobrir o paradeiro da mãe, e acaba descobrindo um cinema pornô, e ao entrar, ele conhece Ronaldo (Ricardo Teodoro), um garoto de programa, que se encanta com a juventude de Wellington, e decide iniciar o garoto em uma nova vida. E desta forma, Welligton, que adota o nome profissional de Baby, vai morar com Ronaldo, gigolô experiente.

Sensibilizado pela desamparo de Baby, Ronaldo introduz garoto à sua família, que proporciona a Baby uma roda de afetividades e solidariedade. A família de Ronaldo, composta por seu filho Allan (Victor Hugo Martins), sua ex-mulher Priscila (Ana Flávia Cavalcanti), e sua namorada Jana (Bruna Linzmeyer). A família, teoricamente “desestruturada”, ao menos do ponto de vista da família tradicional patriarcal, oferece o contraponto ideal à família de Wellington, o Baby, em que a mãe não tem coragem de questionar um marido abusivo, e aceita perder seu filho, ainda que lhe doa, tudo em nome dos valores cristãos.

O conflito se dá na relação, uma vez que Ronaldo, cada vez mais apaixonado por Baby, não consegue admitir que o jovem possa pensar em outras possibilidades de vida e em deixar de ser um garoto de programa. Baby, da mesma forma que qualquer adolescente, quer sair, quer amar, quer ter sua própria independência. Em busca de novas relações e experiências, ele acaba conhecendo um grupo de jovens artistas de rua que ganham a vida em exibições dentro de veículos de transporte. E acaba se apaixonando por um homem que lhe oferece uma perspectiva de vida estável, sem ter como única saída a prostituição.

O coprotagonista Ricardo Teodoro ganhou prêmio de Ator Revelação em Cannes pela atuação em Baby, e repetiu o feito conquistando o melhor Ator Coadjuvante no Festival de Cinema Ibero-Americano de Huelva, e no Festival de Cinema de Lima.

O mineiro Marcelo Caetano é diretor de Corpo Elétrico (2017), que abordava a história de um jovem que sai do Nordeste para trabalhar em São Paulo, e se envolve com um refugiado africano. Baby, que estreou na Semana da Crítica no Festival de Cannes 2024, é seu segundo longa-metragem. Ambos os filmes lidam com temáticas queer e com as ruas de São Paulo, enfocando, sobretudo, a noite paulistana, sexualidades dissidentes e a marginalidade.

Um dos trunfos de Baby, que comove do princípio ao fim, é justamente não embarcar numa estética gay estereotipada e, muito menos, centrar todas as forças na questão social, que está presente como condição de vida da maioria dos cidadãos – são policiais, bilheteiros de cinema, cabeleireiras. O olhar de Caetano está voltado para as peripécias dos excluídos, mas evita pieguices. Sem ser panfletário, o filme dá seu recado ao humanizar as personagens, e mostrar a discriminação com delicadeza e lirismo. As cenas são elaboradas para mostrar o carinho que envolve a relação de Ronaldo e Baby, e não necessariamente para fazer apologia de corpos nus masculinos em cena. Como produtor de elenco, Caetano trabalhou em filmes como Aquarius, Bacurau e séries como a excelente Cangaço Novo, além de ter atuado como assistente de direção dos filmes Tatuagem e Boi Neon. Essa experiência certamente se reflete no excelente resultado deste drama. A direção de arte de Thales Junqueira emoldura corretamente esse universo paralelo da cidade de São Paulo, essa grande metrópole distópica

Baby é uma produção da Cup Filmes, Desbun Filmes e Plateau Produções em coprodução com a Spcine, Telecine, Canal Brasil e Vitrine Filmes, que também assina a distribuição. Além disso, contou com apoio internacional. A produção, que oficialmente reúne Brasil, França e Holanda, recebeu suporte de recursos públicos geridos pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) e o apoio do Aide Aux Cinémas Du Monde, Centre National Du Cinéma Et de L’Image Animée e do Institut Français, além do apoio do Hubert Bals Fund (HBF) do Festival de Roterdã e do Netherlands Film Fund (NFF). Também recebeu apoio do Governo Federal, da Política Nacional Aldir Blanc, e do Governo do Estado de São Paulo, da Secretaria, por meio do edital Fomento CultSP. O filme permanece em cartaz nos cinemas.

Imagens de Divulgação de Aline Arruda e Joana Luz.

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