O novo filme de Sean Baker é Anora, a história de uma dançarina de pole dance que sonhava com um grande amor, mas acaba encontrando um príncipe nada encantado. Permanentemente drogado, narcisista ao extremo, Ivan, filho de um mafioso russo, surge como um furacão na vida da garota de programa suburbana. O filme naugurou a 48ª Mostra de Cinema Internacional de São Paulo, e ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 2024. Baker é o cineasta que se tornou ícone cult com Projeto Flórida, um retrato ácido da infância pobre e vulnerável dos locais de turismo da classe média como os parques da Disney, mas já era conhecido por Tangerine e Red Rocket, sempre numa linha alternativa flertando com o experimental.
A película Anora, assim como ocorreu também com trabalhos anteriores de Baker, é em geral bastante desconfortável e não causa muita empatia com o espectador, pois mesmo ao enveredar pela comédia – aqui quase um pastelão – é pincelada com um indisfarçavável cinismo. Nesta história, aparentemente, Baker abandona o tom documental, árido, e parece inicialmente nos brindar com uma história de amor ao estilo Cinderela, ou Pretty Woman, uma comparação inevitável. Sim, o amor está lá em algum momento, mas sem nenhuma idealização. E, mais importante, se no filme em que Julia Roberts faz a moça de vida “fácil” o cavalheiro interpretado por Richard Gere comanda a ação, aqui o ponto de vista é o da garota. A plateia então é brindada com cenas extremamente realistas de sexo, quase normativas, afinal trata-se do ganha-pão das meninas, e com pleno acesso aos bastidores da casa.
Anora é o nome verdadeiro de uma garota de programa, de ascendência russa, que prefere ser chamada de Ani, fala russo com sotaque medíocre, e que trabalha como dançarina de pole dance numa boate subjugada pela máfia russa. Lá, numa certa noite, ela conhece o jovem herdeiro do grupo, e se encanta imediatamente com ele. Os dois começam a namorar, e vão viajar juntos, e em uma semana o rapaz pede a moça em casamento. Tudo parece fadado a um final feliz, e as colegas de trabalho começam a sentir um certo despeito pela sorte grande da companheira de palco e de vida noturna. Mas Anora vai se revelar como uma pretty woman ao revés.
É interessante como um roteiro pode construir e desconstruir a realidade com personagens bem estruturadas. Em Pretty Woman, a personagem de Julia Roberts é cética, e num primeiro momento não se deixa levar pelo assédio do cavalheirissimo galã interpretado por Richard Gere. O sexo quase não entra no jogo. Em Anora, sexo é tudo, desde a dança das garotas até as performances na cama. Anora acredita que seu desempenho é crucial para uma relação, sobretudo ao perceber que o garoto não é exatamente um garanhão, mas praticamente um punheteiro de primeira viagem.
A família do rapaz, obviamente, não gosta nada da noiva em questão, e tem outros planos para seu herdeiro Ivan (Mark Eidelshtein). A trama acaba resvalando para uma comédia quase grotesca, de extrema violência, quando os gângsteres surgem, e torna-se quase previsível como tudo vai terminar.
A garota Anora, interpretada de forma extremamente sensível por Mickey Madison, é previsível, em seus cacoetes, seus sonhos e fantasias, mas é exatamente isso que faz dela alguém tão natural, tão comum. De forma que é impossível não sentir alívio quando, ao final, as coisas terminam bem, não exatamente como num conto de fadas, mas com um aceno de felicidade.